Às vésperas do clássico entre Vasco e Fluminense, pela 33ª rodada do Brasileiro, uma família de Uberlândia, no interior de Minas, fica dividida. O pai, torcedor do Vasco, não conseguiu impedir que o filho virasse torcedor do Flu por causa da camisa tricolor. A história pode parecer comum a muitos lares brasileiros, mas não quando as três gerações levam o cruz-maltino na certidão de nascimento. Benedito Vasco (pai), Vasco Mamede (filho) e Vasco Fernandes (neto) dividem a torcida entre as duas equipes cariocas.
A família não estará presente no domingo, às 18h, no Engenhão, mas isso pouco importa. Sem nunca ter assistido a um jogo no Rio de Janeiro, a paixão pelos times se intensificou através do rádio, revistas e televisão. Assim, a turma ficou unida, assistindo aos jogos em casa, mesmo com os Vascos, filho e neto, torcendo para o clube das Laranjeiras.
A história tem início há 76 anos, curiosamente com uma divergência entre marido e mulher. O pai queria Benedito. A mãe, Vasco. A solução encontrada foi adotar o Clube da Colina como nome composto. A família foi crescendo e a paixão pelo time também. Torcedor fanático, sabedor de todas as notícias envolvendo o futebol em São Januário, Benedito resolveu homenagear o clube na família.
– Eu torcia para o Vasco pela simpatia com o meu segundo nome. Sabia o nome de tudo, do técnico, dos jogadores. Quando veio o primeiro filho, coloquei nome de Vasco. O segundo filho, Vitor, com o V de Vasco, para não ficar igual. Mas não adiantou, os dois começaram a torcer para o Fluminense – contou Benedito.
Aí começou o drama do patriarca, ou Sr. Vasco. Os dois filhos com nomes em homenagem ao clube escolheram torcer para o rival Fluminense. Nem o fato de as outras duas filhas escolherem o time do pai aliviou a situação. A família estava mesmo dividida, tudo por culpa da camisa tricolor na década de 1960.
– No final da década de 1960 eu assumi um time amador de Uberlândia e o centroavante do meu time era o Zé Vieira, o conhecido Zé Pão de Queijo. Ele passava lá em casa com a camisa do Fluminense e levava o Vasco para o estádio onde íamos jogar. E meu filho, com uns 4, 5 anos, apaixonou pela camisa e me deixou de lado, assim como o Victor, anos depois – explicou o pai.
Vasco Mamede, de 51, filho de seu Benedito, foi o divisor de águas da torcida na família. Mas mesmo sendo fanático pelo Fluminense, resolveu colocar o nome do filho também de Vasco, por outro motivo.
– Primeiro, eu tinha certeza que se eu colocasse outro nome, ele iria torcer para o Vasco. Coloquei em homenagem ao meu nome. Mas em casa eu dei três opções: vai ser Fluminense, será Fluminense ou as duas alternativas anteriores. Mesmo com o nome, sabia que ele ia ser tricolor. Comprei uniforme, essas coisas. Hoje, até meus netinhos já estão uniformizados e gritam “Nense!” – contou Mamede.
NA MEMÓRIA

Quando o filho ainda era pequeno, Benedito bem que tentou dar uma camisa do time do coração ao garoto, mas foi em vão. As três cores prevaleceram e, mesmo resistente, deixou o garoto escolher a própria equipe.
– Meu filho era garoto, e o Fluminense ganhou do Vasco. De tanto ouvir que o Vasco tinha perdido, ele chorou dizendo que queria chamar Fluminense Mamede. Todo mundo tem o direito de escolha, e eu deixei. A camisa do Vasco era simples, com a cruz de malta, e a camisa do Flu era de três cores. Destacava – lembrou Benedito.
A família tinha, então, uma torcida dividida na “arquibancada”, o sofá de casa. Foi daquele local que saíram algumas das mais marcantes lembranças tricolores de Mamede, como o histórico gol do elástico de Rivelino no Carioca de 1975, quando assistiu à jogada do craque diante de pai e tios vascaínos.
– Eu tinha 11 anos, aí o Rivelino, naquele famoso lance do elástico, faz um golaço. Pulei demais. Olhei para os três no sofá e eles disseram: “Golaço”. Só isso – contou.
Vasco Fernandes, o neto, lembra dos jogos entre os times na casa do avô junto com os familiares nos tempos de menino. O tricolor, de 25 anos, entrega o vovô: Sr. Benedito tentou mudar a cabeça dele.
– O meu avô, até quando eu era mais novo, às vezes falava brincando: “Isso é um absurdo. Seu pai coloca um nome bonito desse, deveria torcer para o Vasco, não para o Fluminense” – lembrou.
PROVOCAÇÕES E GARGALHADAS
Não é só dentro de casa que os nomes causam certa confusão. Ter Vasco no registro pode ser tão incomum que tem gente que acha que é trote. Mamede passou por isso quando a esposa tentou comprar uma camisa do Flu para presenteá-lo.
– Em 1999, com o Fluminense na Série C, minha esposa me prometeu uma camisa novinha do time. Como ela não entende muito de futebol, disse para eu entrar no site e pedir. Estava finalizando o pedido, aí o cara perguntou o meu nome e eu disse: “Vasco”. Aí ele: “É trote? Vou desligar o telefone”. Eu respondi rápido, “Não desliga, não! Eu me chamo Vasco e torço para o Fluminense”. Falei que conhecia um conselheiro do Fluminense, essas coisas, mas ele queria desligar – contou Vasco Mamede.
O neto também teve que aguentar piada. Em dia de eleição, até o mesário brincou na hora que viu o registro no título de eleitor.
– Nas eleições de 2010, eu cheguei para votar e meu amigo era mesário. Ele pediu meu documento e disse: “Você não vai poder votar! Vasco não tem título”. Todo mundo começou a rir. Também falam que eu não posso discutir futebol por chamar Vasco e torcer para o Fluminense. Mesmo assim, eu não gostaria de trocar de nome – finalizou Vasco Fernandes.
Fonte: Globo.com