Reflexo dos tais tempos difíceis, o último gol de Fabrício tinha sido em 2011, ainda pelo Cruzeiro. Contra o Santa Cruz, na volta vascaína para a Série B, ele fez dois bonitos gols. Os dois de primeira – observação que vale tanto pelo único toque na bola no dois chutes da goleada por 4 a 1 quanto pelo nível de um atleta vice-campeão da Libertadores, campeão da Copa do Brasil e Brasileiro, que nem por isso deixou de tirar o lado bom dos dias inativos.
Encostado no São Paulo, ele guardou seu tempo mais para a mulher e os dois filhos. Agora no Vasco, na véspera da partida contra o América de Natal, na volta a São Januário, neste sábado às 16h20, ele celebra a alegria de reencontrar o futebol com a camisa cruz-maltina. Espontâneo e antenado com os problemas que observa no futebol brasileiro, o volante de 32 anos pede sabedoria e humildade para que os profissionais do país tirem lições do que vimos na Copa.
– A Alemanha é a bola da vez. Tem que tentar copiar para poder evoluir – lembra ele.
Na Série B, Fabrício reconhece que o Vasco iniciou a competição sem o mesmo ritmo dos adversários, sem a necessária adaptação à “guerra” dos jogos de Segunda Divisão. Ele cita os europeus que encararam o calor e jogo às 13h, sem desculpas para um jogo mais lento ou de má qualidade, para criticar o comodismo do país pentacampeão. O jogador do Vasco fala também do que passou no São Paulo, do futuro, de Copa do Brasil e mais um pouco.
Confira abaixo a entrevista completa do meio de campo do Vasco.
GloboEsporte.com: Você gosta do esquema com três volantes, mas sendo dois que já jogaram mais avançados, como você e Pedro Ken?
Por incrível que pareça, dos três (eu, Guiñazu e Pedro Ken) volantes, todos eram meias na base. Eu comecei como quarto homem, depois fui recuando. Guiñazu também, acho até que pegou seleção de base como meia avançado e o Pedro a mesma coisa. Ele recuou recentemente. Ou seja, todos sabem jogar com a bola. A gente ajuda na marcação, mas também tem facilidade para sair e chegar na frente. Acho que é a tendência do futebol há tempos. A gente viu muito isso aí na Copa, no time da Alemanha mesmo. Os volantes jogando. Acho que tem que ser assim. O time fica com mais posse de bola e potencial de marcação também.
Por falar em Copa, o que mais te chamou a atenção?
Esse time da Alemanha deu aula de futebol. Tanto na parte tática quanto na parte física, técnica também. Com esses volantes que jogam muito bem, chegam, chutam no gol. Acho que todos vão tentar copiar a Alemanha, como tentaram com a Espanha em 2010. Acho que a bola da vez é a Alemanha. Tem que tentar copiar para tentar evoluir. Mas também depende muito do treinador. Adilson dá liberdade para a gente, de chegar na frente, de deixar à vontade. A gente treina para jogar assim. Lógico que sem deixar de se preocupar com a parte defensiva primeiro.
Você falou que recuou. Isso foi quando na base ainda?
No União São João eu jogava de meia, mas fui testado ainda no juvenil, com 16 anos, numa vez faltou volante e tinha amistoso contra um time japonês. Acho que pensaram: “ah, time japonês, não tem tanto poder ofensivo, vai de volante”. Aí eu fui bem e nunca mais saí. Gostei de jogar ali. Acho que abre o campo, né. Parei de tomar porrada também. Mas às vezes também desconto um pouquinho (risos).
Você concorda com o que a maioria dos analistas disse sobre o que se passou no Mundial: o Brasil está atrasado em relação às grandes potências europeias e até outros sul-americanos, vimos Chile e Colômbia muito bem?
Acho que a gente sempre apostou nessa seleção, ainda mais quando ganhou ano passado. Mas é diferente. Foi muito ruim ver a goleada. Foi um choque de assistir. O Ronaldo falou uma coisa que é verdade: não deu nem para sofrer. Começamos bem, mas de repente dois, três, quatro, nossa, inacreditável. Mas serve de lição, né. A Alemanha está investindo nesse modelo há 14 anos e acho que a tendência é ficar na frente um bom tempo. Estão colhendo os frutos. O Brasil tem isso, sempre diz que é pentacampeão, que somos os melhores. Mas as outras seleções, até por estarem atrás, acho que estudaram, evoluíram, se prepararam. Acho que a gente não pode parar no tempo, tem que procurar evoluir, ser humilde e reconhecer que precisa melhorar. Camisa não ganha mais jogo. Não é só talento. Até porque os talentos têm diminuido no Brasil.
Você tem essa percepção mesmo?
Tenho sim. Na seleção sempre se via três ou quatro talentos. Nessa, saiu Neymar, como ficou, quem ficou? Até tem uns outros nomes, alguns não foram para a Copa, mas não são unanimidades, né. Então tem diminuído sim no Brasil. Temos que procurar trabalhar a parte técnica, física e parar de desculpas. A gente viu seleções aqui e a gente reclama muito do calor, diz que o futebol é lento por causa da grama, sempre com alguma coisa. Vieram os times da Europa, jogaram uma da tarde, impuseram o ritmo deles. Então não tem desculpa. Por que não corre, por que não se movimenta? Por que só se movimenta quem vai pegar a bola? Está errado. Todos têm que jogar, têm se movimentar, compactar, acho que é isso que tem que começar a mudar desde a base. Treinador tem que impor e o jogador tem que aceitar isso. Tem que parar com essa coisa de peladeiro do futebol. Brasil ainda tem muito peladeiro.
Voltando ao Vasco. Naquela sequência de empates seguidos, o que houve com o time?
Acho que foi um período de adaptação. Assim que começou a Série B, tem que entender que um estilo diferente de jogo, demoramos a entender isso, come
camos a conversar entre nós que o espírito é diferente, a pegada é outra, tem que competir. Tem que se adaptar, sem deixar a técnica do Vasco de lado, que sempre tivemos, mas a parte de competição tem que igualar com os caras. Isso que tentamos fazer contra o BOA e nesse jogo também. Lógico que tem coisas para melhorar, mas fizemos esse 4 a 1 aí que achei até mentiroso (contra o Santa Cruz), criamos oportunidades, mas eles também tiveram chance. No segundo tempo caímos um pouco de rendimento, mas a parte de competição, de querer ganhar, de querer ir atrás, temos que fazer por merecer, só assim que vamos conseguir subir. Acho que isso estava faltando naqueles jogos que a gente empatava. Acho que faltava o algo mais.
Como foi todo aquele tempo parado no São Paulo? É possível manter a cabeça no lugar afastado, sem chance de jogar e treinando separado?
Nunca tinha passado por uma situação daquela. Foi humilhante na época (pouco depois de chegar ao São Paulo, Fabrício entrou em rota de colisão com Ney Franco e foi afastado). O Paulo Autuori me reintegrou, mas logo veio o Muricy e fiquei fora de novo. Foram dois afastamentos lá. Mas isso são filosofias de cada clube, agem dessa forma lá. Fiquei triste, mas serve para ficar mais forte. Tem que contar com apoio da família e aproveitei essa situação para curtir mais com eles, porque você volta a ter sábado e domingo também. Tem que tirar as coisas boas mesmo na dificuldade e se apegar aquilo, senão vai para o buraco cada vez mais profundo. O importante é que não deixei me abalar e tive apoio de muita gente que me conhecia. Isso não me deixou desanimar muito.
Houve algum atrito com o Rogério Ceni, como chegou a ser ventilado?
Não tive problema com ninguém diretamente. Não sei se houve algo pelas costas de algumas pessoas lá, mas não tenho certeza exata. A desconfiança sim de que algumas pessoas lá possam ter feito essa trairagem, mas não tenho essa clareza, essa certeza de ter sido essa pessoa. Então procuro deixar como parte do passado mesmo e agora meu foco está aqui no Vasco. Estou emprestado e ainda tenho parte dos meus direitos no São Paulo.
E o futuro? Seu contrato termina no fim do ano, o de empréstimo com o Vasco e o com o São Paulo.
Hoje, procuro não pensar muito na frente. Meu objetivo é a Série B, essa Copa do Brasil, jogar até dezembro. Depois a gente vê o que acontece. Claro que a família gostou. Pode ser que a gente fique. Gostamos muito da praia, da vida aqui, que é bem ativa, tem um pessoal praticando esportes. Acho que isso é exemplo para os filhos. Tem um povo legal, bem receptivo, descontraído. Estamos gostando muito. Não definimos ainda, mas tem tudo para ficarmos por aqui mesmo.
Você sabe que há um vídeo seu comentando da possibilidade de punição ao Ronaldinho e a sua reação virou um bordão de internet, com a ironia ao Flamengo e a CBF. Algum vascaíno já brincou com você sobre isso?
Ainda não (risos). Mas eu soube disso. Na ocasião, foi uma confusão com o Ronaldinho. Estávamos em forte pressão no Cruzeiro também, então acabei descendo para falar num dia não muito bom na coletiva. E acabou que saiu isso. Por pouco não peguei uma punição. Recebi uma advertência da CBF, tive que me retratar e me retratei. Ainda bem que não peguei suspensão, nada. Mas no final, Ronaldinho jogou e ficou tudo como estava (risos).
Fonte: GloboEsporte.com