
Pois o Campeonato Paulista de 2014 produziu uma versão caipira do fenômeno. Anderson Salles, zagueiro do campeão Ituano, fez parecido. Atravessou os 19 jogos do campeonato sem tomar um único cartão. Em oito partidas passou em branco e não fez faltas. Na média geral, ficou com 0,6 infração cometida por jogo. Zero ponto seis! A cada dois jogos, uma falta, e jogando na defesa…
Assim como Gamarra, Salles provou que as coisas também se resolvem “no jeito” e não apenas com a força. O Ituano foi campeão com a defesa menos vazada da competição, 11 gols em 19 jogos. De quebra, o “baixinho” Salles (ele tem 1,81 metro, 1 centímetro a mais do que Gamarra) ainda terminou como goleador do time, com seis gols. Perdeu o pênalti na decisão contra o Santos, é verdade. Para a justiça dos campos e dos homens, o Ituano foi campeão do mesmo jeito. Seria cruel demais o melhor do time tomar um revés do destino.
Para entender o zagueiro-artilheiro, porém, será preciso ir mais a fundo no time em que ele joga. Salles não é um craque. Já está com 26 anos, surgiu no Santos e rodou pelo interior paulista sem chamar muita atenção. A questão, portanto, é menos o jogador em si e mais a equipe do Ituano, que venceu São Paulo, Palmeiras e Santos. E nem adianta comparar jogador por jogador, é óbvio que os grandes paulistas são infinitamente mais qualificados do que o time de Itu. Só que no futebol o pobre se iguala ao rico se conseguir um fenômeno chamado “encaixe”.
É quase uma mágica. Acontece quando um time se acomoda em campo e se movimenta com sincronismo e rapidez. Todos marcam ao mesmo tempo. Quando um pega a bola, já sabe onde o outro estará décimos de segundo depois para receber a bola. Se Anderson Salles não precisou de faltas para segurar adversários certamente é porque ficou poucas oportunidades no “mano a mano”. E zagueiro com boa cobertura é zagueiro feliz.
Time com “encaixe” não precisa ter necessariamente os melhores jogadores. Muitas vezes não tem. Como o São Caetano de 2000, que foi até vice-campeão da Libertadores dois anos depois. Ou alguém acha que o atrapalhado Adhemar era craque, que Adãozinho era um gênio ou Esquerdinha merecia seleção?

Claro que aquele Esquerdinha de 2000 não é o Esquerdinha hoje campeão pelo Ituano em 2014. Assim como Somália, Mineiro ou Amaral, Esquerdinha é mais um desses maravilhosos nomes genéricos que o futebol brasileiro produz. O Ituano tem ainda Josa, Alemão, Dick, Caucaia e outros. Assim como Salles, não são craques, dificilmente farão carreira na Europa. Mas hoje eles se encontraram em uma equipe muito bem encaixadinha.
O time, aliás, nem existe mais, já se desintegrou. Exatamente como aquele São Caetano do milênio passado, que morreu distribuindo seus órgãos vitais em outros clubes. Exceção do lateral César, que conseguiu fazer carreira na Itália, os outros não repetiram o brilho mostrado com a camisa do Azulão. Se no coletivo funcionavam que era uma beleza, individualmente a mágica não repetia.
Anderson Salles terá agora sua chance em clube grande. Eleito o melhor zagueiro do Paulistão, ele poderá mostrar se era apenas uma peça na engrenagem azeitada do Ituano ou um talento escondido. O tempo dirá se pintou o Gamarra caipira.
Fonte: Revista Placar